quarta-feira, 11 de junho de 2008

Ossobuco


Semana passada tive a feliz oportunidade de jantar no Walter Mancini Ristorante, o restaurante classudo da família Mancini em São Paulo. Um dos pratos que mais me impressionou foi o pedido pela minha esposa, ossobuco com polenta cremosa. À primeira vista, um desavisado pode se perguntar como uma carne de segunda, que custa em média R$ 7,00 o quilo, pode figurar no cardápio de um restaurante de alta gastronomia italiana. Só provando pra ver.
Dentre as carnes de segunda, o ossobuco é minha preferida, competindo duramente com o rabo do boi.
Escrevendo o parágrafo acima percebi que não gosto dessa classificação: carne de primeira e carne de segunda. Um corte de “segunda” bem preparado não perde pra nenhuma carne molinha de primeira! Na verdade, tenho certeza que todo mundo já comeu um corte de primeira que foi tão mal preparado que deveria entrar na classificação como carne de quinta categoria. É lógico que não tenho como mudar a classificação das carnes, mas fica aí o meu protesto contra a preconceituosa classificação das carnes!
Voltando ao que interessa, o ossobuco é um corte que vem da canela do boi que é serrada em fatias de mais ou menos três centímetros. O resultado é uma fatia de carne (músculo) com um pedaço de osso no meio.
Essa carne é tradicional da região da Lombardia e principalmente em Milão, cidade em que se come o tradicional ossobuco alla milanese, cozido com vinho, e o risotto alla milanese, um risotto temperado com açafrão e servido com um belo pedaço de ossobuco. Por que é meu corte preferido? Porque a carne não tem muita gordura, mas é entremeada de tecido conjuntivo, que tem muito colágeno. Ele se dissolve com o cozimento, engrossa naturalmente o molho e acrescenta um sabor único ao prato. Além disso, a parte interna do osso é cheia de tutano, que também enriquece o molho e é uma das coisas mais gostosas do mundo.
Cozinhar um ossobuco leva tempo, mas vale a pena. É a receita perfeita para o friozinho que está fazendo agora.
A receita de hoje é uma junção das culinárias francesa e italiana porque são os franceses que adoram combinar massas e carnes com molhos. Já os italianos adoram ossobuco, mas normalmente preferem massa com molho de tomate.
Essa é uma combinação minha. Sinta-se à vontade em combinar o ossobuco com outro acompanhamento como polenta, purê de batatas o um bom pão italiano. A propósito, parabéns à padaria que está vendendo o legítimo pão italiano, que é fermentado naturalmente. Eles devem saber que qualidade é sempre um diferencial.

Ossobuco e massa com ovos (para 6 pessoas)

Ingredientes
2Kg de ossobuco
1 garrafa de vinho tinto de boa qualidade
750mL de caldo de carne artesanal
2 latas de tomate pelado
1 cebola cortada em fatias
4 dentes de alho inteiros
Farinha de trigo
Sal
Pimenta do reino
500g de qualquer massa larga seca
2 a 3 colheres de manteiga

Numa panela funda, adicione uma colher de manteiga e doure a cebola fatiada e os dentes de alho. Abra as latas de tomate pelado e separe o líquido dos tomates. Adicione o líquido à cebola refogada e cozinhe em fogo brando até engrossar o molho.
Enquanto isso tempere as fatias de ossobuco com sal e pimenta do reino. Empane com farinha de trigo, bata para remover o excesso e frite na manteiga, dourando os dois lados. A farinha protege o frágil mas essencial tutano. Depois que dourar todas as fatias, adicione-as ao molho de tomate reduzido e cubra tudo com o vinho tinto e o caldo de carne. Cozinhe lentamente por duas a três horas, ou até a carne ficar bem macia e o molho espesso. Se quiser apelar, uma hora na panela de pressão deve bastar. Corte os tomates pelados em dois e adicione ao molho.
Cozinhe a massa com bastante água salgada. Escorra, coloque num prato e cubra com o molho e a carne, que provavelmente estará desmanchando de tão macia. Não esqueça de colocar pelo menos um ossobuco por prato, senão vai dar briga!

Faca afiada


Após o artigo da semana passada, recebi muitos emails perguntando se eu iria parar de escrever a coluna por causa da minha viagem à Suíça. Acredito que não. Devo continuar a escrever e com certeza contarei algumas novidades do velho mundo.
Você deve imaginar que eu gosto muito de cozinhar. Entretanto, existem situações em que me deparo odiando a cozinha. Seria por causa da correria? Da temperatura insuportavelmente quente da cozinha? Da necessidade de fazer trinta coisas de uma só vez?
Claro que não, eu adoro isso! O que me irrita, o que dá vontade de atear fogo no meu cabelo é cozinhar sem os equipamentos e utensílios adequados.
Por isso, quando vou a algum lugar onde possivelmente vou cozinhar, levo minha mala de facas, ou pelo menos uma delas.
Pra cozinhar profissionalmente um conjunto de diferentes tipos de facas é imprescindível. Carrego comigo um conjunto de oito facas da Victorinox, mas um conjunto de quatro facas é o suficiente: uma pequena para legumes e frutas, uma para desossar, uma para filetar e uma faca do Chef de 8”. Ainda não experimentei, mas a Tramontina vende todos estes tipos de faca.
Pode parecer frescura, mas tente fatiar descaroçar uma uva com um facão de churrasco e você vai me entender.
Ah, não adianta você ter um bom conjunto de facas se elas não estiverem afiadas. O pior inimigo de um cozinheiro é uma faca que não corta nem manteiga. A faca cega faz a gente usar força e quando o alimento escapa do fio, provavelmente ele entrará na sua mão, dedo ou olho!
Como mantenho minhas facas afiadas, durante os cinco anos que cozinho profissionalmente só me cortei duas vezes. Uma vez como sushiman, quando tirei um belo sashimi da palma da minha mão, e outra vez quando estava fatiando cogumelos numa noite corrida e acabei sumindo com metade da unha do meu dedo anelar da mão esquerda. Dói só de lembrar.
Se você ainda não tem muita certeza da sua paixão pela culinária, pelo menos uma boa faca do Chef de 8’’ é aconselhável.
Faca na mão, agora você precisa de um fogão. Uma chama forte é essencial. Se você possui um fogão com a chama bem fraquinha, compre aqueles fogareiros com uma ou duas bocas, mas que valem por três. Eu queria colocar um fogão industrial no meu apartamento, mas a minha esposa não deixou. Não sei por que...
Um bom fogo é eficiente na hora de dourar algum alimento. E você sempre vai querer dourar alguma coisa, a não ser que goste de cubos de carne com a bela coloração cinza.
Agora que você tem um bom fogão ou um fogareiro, não adianta tentar cozinhar com aquelas panelas que as lojas de R$1,99 vendem. Compre pelo menos uma panela de alumínio com fundo grosso. Você precisa de um fundo grosso para a melhor distribuição de calor (evita queimar o fundo) e manutenção de calor, evitando que a temperatura da panela caia quando enquanto você adiciona o alimento.
Agora, com esse belo conjunto, vamos à receita de hoje.


Boeuf bourguignon
Ingredientes:
1Kg de peito, patinho ou coxão duro
100g de mirepoix
3 folhas de louro
4 cebolas fatiadas
Manteiga ou azeite
2 colheres de farinha de trigo
5 cenouras médias
2 dente de alho
1 bouquet garni
1 garrafa de vinho tinto de Borgonha
Salsinha picada
Sal
Pimenta do reino em grão

Esse é um prato muito fácil de fazer. E melhor ainda, fica mais gostoso no dia seguinte. Por isso, se preferir, faça-o com um dia de antecedência, resfrie, coloque na geladeira e apenas esquente na hora de servir.
Com um dia de antecedência, corte a carne em cubos de 25g, descartando a gordura e reserve. Junte o mirepoix, pimenta do reino em grão, as folhas de louro e o vinho. Se não tiver tempo, deixe a carne na marinada por pelo menos 4 horas.
Retire a carne da marinada e deixe escorrer o excesso de líquido num escorredor.
Leve a marinada ao fogo e deixe ferver. Retire a espuma que subir à superfície. Retire do fogo, peneire e reserve o líquido.
Esquente bem a panela, adicione o azeite ou manteiga e coloque uma porção da carne para fritar. Frite bem, fazendo os cubos de carne dourarem por inteiro. Não coloque tudo de uma vez, pois a temperatura da panela diminuirá, a carne soltará seu líquido e ficará cinza. Por isso, frite pequenas porções e reserve num prato ao lado.
Depois de fritar tudo, adicione as cebolas na panela e frite em fogo médio até ficarem macias e douradas. Adicione mais azeite ou manteiga se necessário. Salpique a farinha sobre as cebolas e cozinhe por mais alguns minutos.
Adicione o vinho tinto e raspe o fundo da panela para soltar todo o sabor que ficou grudado.
Coloque a carne de volta na panela, o alho picado, o bouquet garni e as cenouras cortadas em pedaços de 3cm.
Cubra a carne com água na razão de 2 partes de carne para 3 de líquido (água e o vinho).
Cozinhe o boeuf bourguignon em fogo bem baixo, com o líquido quase fervendo, por mais ou menos 2 horas, mexendo algumas vezes para não deixar queimar o fundo da panela. Retire qualquer espuma que subir à superfície.
Quando a carne estiver macia, retire o bouquet garni, adicione a salsinha picada e sirva.
Purê de batatas é um acompanhamento bem apropriado, mas Pommes duchesses ou, meu preferido, um naco de pão branco de casca dura, são ótimos acompanhamentos. Não esqueça de levar um pote de mostarda de Dijon à mesa.

Por que o Coronel fechou?

O Coronel restaurante hamburgueria fechou suas portas no último sábado.
Há três anos, minha esposa Natália, meu irmão Ewerton e eu decidimos abrir um restaurante diferente, estilo casual dinner, que mescla boa comida com descontração. Pensamos num restaurante em que comida de qualidade fosse servida num preço acessível, mas num ambiente informal e alegre.
Assim nasceu o Coronel, a primeira hamburgueria de Mogi das Cruzes.
Pratos caprichados, carnes grelhadas, hambúrgueres de fraldinha moída no dia, praticamente conforme os pedidos para garantir a qualidade da carne.
Sempre tive orgulho da nossa comida. Tinha satisfação em dizer que preparávamos nossos lanches e pratos do zero.
Infelizmente muitos clientes não entenderam nossa proposta e muitas vezes não entenderam a nossa comida. Numa noite de sábado, um cliente pediu um Petit Gateau, deu uma colherada e, com um ar de desprezo, reclamou com a garçonete que o bolinho estava cru, mole por dentro. Como pode tamanha ignorância? Quando a garçonete foi até a cozinha me contar e saber o que fazer, tive que rir pra não chorar. Me orgulhava tanto de preparar o Petit Gateau artesanalmente (posso contar nos dedos de uma mão os restaurantes mogianos que preparam o próprio Petit Gateau), mas aquele cliente me desanimou.
Quando lancei os risottos foi a mesma coisa. Preparávamos o caldo, e na hora do pedido um funcionário não fazia nada a não ser mexer cuidadosamente o arroz arbóreo, que era servido cremoso como todo risotto deve ser.
Várias vezes recebemos reclamações de clientes dizendo que o risotto estava estranho, que não se parecia com o risotto que eles conheciam.
Uma senhora afirmou categoricamente que não sabia o que era aquilo, mas não era risotto. Por fim, descobríamos que as pessoas achavam que risotto era aquele arroz de ontem com ervilha e frango desfiado (assado ontem também). E eu fiquei desanimado com o risotto e retirei do cardápio. É lógico que muitos clientes adoravam o risotto, e muitas vezes voltavam várias vezes para repetir o prato, caso dos amigos Norton, Anísia e filhos, fãs do nosso contestado prato.
No cardápio do ano passado acrescentei um prato regado com molho demi glace. Fazíamos este molho do zero e demorava 10 a 12 horas pra ficar pronto. Era trabalhoso, eu tinha que buscar ossos de vitela em São Paulo, assar, cozinhar, reduzir...e a maioria não dava a mínima importância pro bendito molho. Quem já provou sabe que é delicioso, de sabor intenso, untuoso e combina perfeitamente com carnes. Mas alguns clientes sempre pediam o prato sem o “molho estranho”, “esse negócio diferente”, “isso é doce?”, e assim percebi que não adiantava nada ir até São Paulo comprar os ossos de vitela e ter todo aquele trabalho. Eu queria pelo menos que os clientes provassem, o prato custava apenas R$14, mas fiquei desapontado.
Eu gostava de apresentar novidades aos mogianos. Tenho uma confissao a fazer. Se você gostou, nós que trabalhamos gostamos muito de saber disso. Ficávamos realmente contentes quando um cliente elogiava a decoração, o serviço do garçom ou a comida. Lembro de um dia em que um grupo de dez senhores me chamou para conversar. Quando entrei no salão eles levantaram e bateram palma para mim. Esta é uma lembrança que vou guardar com muita felicidade.
Ah, mas não posso esquecer dos clientes mal educados. Lembro com tristeza de um dia que fui até a sala dos funcionários e vi um garçom chorando sozinho. Perguntei o que tinha acontecido e ele disse que quando foi retirar o prato sujo de um cliente que acabara de comer, o mesmo disse: “pois é moleque, não deixei nenhum resto pra você” e caiu na risada com seus amigos.
Não quero escrever mais nada sobre isso. Entre nós, nunca mais tocamos no assunto. Saibam apenas que isso acontece e que chateia muito.
Assim, resolvi mudar de ares. Vou pra Suíça estudar mais três meses, participar do campeonato suíço de gastronomia e, quando voltar trabalhar com alta gastronomia.
Não vou mentir, estou muito triste porque acabou. Gostaria que não tivesse que fechar as portas. Não queria despedir meus fiéis funcionários, que acabaram virando amigos. Eu era apaixonado pelo Coronel, um sonho que se tornou realidade por algum tempo.
Sei que muita gente gostava do restaurante. Por isso, agradeço aos nossos clientes. Aqueles que voltavam sempre, que voltavam quando podiam, que gostavam de experimentar coisas diferentes, que entravam sorrindo, que entendiam a demora dos nossos pratos, que faziam críticas construtivas, que vinham só comer uma sobremesa antes da balada, que apoiavam, faziam propaganda voluntariamente, que vinham só pra tomar um milk shake, que passavam a noite inteira comendo e bebendo, as famílias, os casais, as turminhas, os grupos de amigos e os que vinham sozinho.
Com vocês no salão e eu na cozinha, tenho certeza que passamos bons momentos juntos sem mesmo nos ver.
Obrigado Coronel. Até algum dia.